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"É muito difícil você conseguir vencer numa boa. Pra vencer você tem que lutar, e essa luta muitas vezes significa indispor de certa forma com algumas pessoas, pra prevalecer aquilo que você acredita. Teu ponto de vista, tua cabeça, a tua personalidade acima de tudo. E se você não lutar pra valer, você acaba perdendo teu próprio rumo. E se você perde o teu próprio caminho, você não é ninguém. Então, pra conseguir manter essa linha de conduta, você tem que lutar muito. E, muitas vezes, tem que brigar mesmo".
Ayrton Senna

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O piso salarial é apenas o primeiro passo Ainda que o salário-base tenha reduzido desigualdades, a valorização da docência exige melhorar as condições de trabalho e a formação


Jean Galvão
A informação de que o piso salarial dos professores para 2011 foi fixado em 1.187 reais para uma jornada de 40 horas é dessas notícias do tipo copo meio cheio, meio vazio. Meio cheio porque o índice de reajuste, de 15,9%, foi bem superior à inflação do ano passado (5,9%). E porque até 2008 o Brasil não possuía nenhuma lei nacional que regulamentasse um vencimento mínimo aos docentes. Meio vazio porque... bem, convenhamos, ainda não se trata de um vencimento compatível com a responsabilidade da tarefa de ensinar. Aliás, nem com a média do mercado, já que outras profissões que exigem formação semelhante pagam muito mais (veja o quadro na página seguinte). E porque, num contexto em que as condições de trabalho são precárias, e a formação, deficiente, não parece realista acreditar que aumentos salariais levarão, sozinhos, à recuperação do prestígio e da atratividade da carreira docente.

Para começo de conversa, é preciso esclarecer que nunca existiu um passado idílico em que os educadores eram respeitados, lecionavam em escolas de excelente infraestrutura e ganhavam bem. Se a valorização social foi, pelo menos até a década de 1960, uma realidade, o mesmo não se pode dizer acerca dos bons salários. O Brasil já nasceu pagando mal seus mestres. A primeira Lei Geral do Ensino, decretada por dom Pedro I em 1827, estabelecia que eles deveriam receber pelo menos 25 mil-réis mensais - um terço do que ganhava um feitor de escravos e, em valores de hoje, algo em torno de 930 reais.

No século seguinte, a situação melhorou e o salário médio se aproximou dos 2 mil reais (valores corrigidos) na década de 1950, não muito distante do que ganha, hoje, um educador com Ensino Superior (média de 1.788 reais, em 2009). Entretanto, a universalização do ensino, ocorrida entre os anos de 1970 e 2000, exigiu a contratação de uma massa de profissionais sem a formação adequada, que iniciou na função recebendo bem menos do que os graduados (o salário de um docente com Ensino Médio estava em torno de 1.162 reais em 2009). Isso derrubou a média salarial da categoria. O que já não era grande coisa ficou ainda pior porque os investimentos governamentais não cresceram na mesma proporção do número de alunos que passou a frequentar a escola, deteriorando o ambiente de ensino e afugentando, de vez, os profissionais mais bem qualificados para a docência.
Garantir o cumprimento da lei é um compromisso pendente
Salários médios dos professores são inferiores aos de outras profissões de mesmo nível de formação. Gráfico: Alice Vasconcellos
ATRÁS DOS OUTROS Salários médios dos professores são inferiores aos de outras profissões de mesmo nível de formação (considerando uma jornada de 40 horas semanais) Fonte: PNAD/IBGE Clique para ampliar
Restam poucas dúvidas de que a instituição do piso foi uma medida positiva. À época de seu lançamento, o Ministério da Educação (MEC) estimava que cerca de 800 mil professores (40% da categoria) recebiam menos que o valor-base. Agora, entidades ligadas à Educação argumentam que é preciso acelerar o ritmo rumo a um salário digno. Estão certas, mas, antes disso, é preciso assegurar que a própria Lei 11.738, que criou o piso salarial, seja respeitada - até o fechamento desta edição, o julgamento de sua constitucionalidade, questionada pelos estados do Ceará, do Mato Grosso do Sul, do Paraná e de Santa Catarina, estava pendente no Superior Tribunal Federal (STF). No que diz respeito ao salário, a principal polêmica é determinar se o valor estabelecido deve ser entendido como vencimento básico (o que exclui gratificações, por exemplo) ou como remuneração mínima (o que incluiria os extras). Se retirados do piso os "penduricalhos" - como parece ser o desejo da maioria dos professores -, só sete unidades da federação permaneceriam dentro da lei, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE): Acre, Amazonas, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo.

Também não se pode perder de vista que, se a intenção é que a Educação brasileira atinja patamares decentes e a valorização do Magistério se concretize, a remuneração é apenas um dos nós a ser desatado. A recuperação salarial não pode vir desacompanhada da melhoria na formação (o conhecimento didático é a matéria-prima do trabalho docente), da rediscussão das jornadas de trabalho (com períodos dedicados ao planejamento e à avaliação nas escolas) e do investimento na infraestrutura escolar (para que se ofereçam boas condições para lecionar). Sem isso, não haverá dinheiro capaz de atrair os melhores candidatos para as Licenciaturas e a Pedagogia.

A farsa da capacitação Pesquisas da FVC mostram que os coordenadores que fazem formação na escola ainda são raridade


Preparar reuniões periódicas de formação continuada para os professores da unidade escolar é a principal atribuição do coordenador pedagógico, certo? No papel, é exatamente isso. Na prática, porém... Duas pesquisas encomendadas pela Fundação Victor Civita (FVC) demonstram que, além de muitas escolas ainda não contarem com coordenador pedagógico, ele não recebe capacitação específica para assumir esse papel de formador da equipe docente - e que as políticas públicas implementadas pelas redes de ensino não estão auxiliando as escolas e os professores em suas reais necessidades.

No primeiro estudo, O Coordenador Pedagógico e a Formação de Professores: Intenções, Tensões e Contradições, supervisionado por Cláudia Davis, da Fundação Carlos Chagas (FCC), e coordenado por Vera Maria Nigro de Souza Placco, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), fica claro que existem muitas leis e regulamentações - em nível federal, estadual e municipal - que definem o papel esperado para esses profissionais, com ênfase para a questão da formação continuada dos professores dentro das unidades escolares. Porém as 500 entrevistas realizadas para a pesquisa não deixam dúvida: inúmeras tarefas do cotidiano escolar, que poderiam ser executadas por outros funcionários, como a resolução de conflitos entre alunos e o atendimento aos pais e à comunidade, acabam por dominar a agenda dos coordenadores (veja dados sobre o perfil desses educadores nos gráficos abaixo).

Para a realização do segundo trabalho, A Formação Continuada de Professores no Brasil: Uma Análise das Modalidades e Práticas, coordenado pelas pesquisadoras Cláudia Davis, Marina Muniz Rossa Nunes e Patrícia Cristina Albieri de Almeida, da FCC, foram ouvidos representantes de 19 Secretarias de Educação (seis estaduais e 13 municipais) com o objetivo de identificar quais são os cursos que as redes de ensino oferecem aos coordenadores pedagógicos e aos professores. E a conclusão é que, ainda que seja possível observar um avanço nos modelos de formação continuada, essa prática ainda está aquém do desejado.

"O ideal é que os coordenadores pudessem comandar o trabalho pedagógico na escola, orientar a formação da equipe docente, segundo as demandas da realidade local, e liderar a elaboração do projeto político-pedagógico (PPP)", diz Vera. "Porém sua função se tornou muito abrangente, envolvendo assuntos de caráter disciplinar e questões relativas ao entorno."
Gráficos: Fabio Lucca




Nossos futuros professores

Diversos estudos recentes indicam que está se consolidando um novo perfil de candidato à docência: mais empobrecido, estudante de escola pública e com pequena bagagem cultural. As informações da pesquisa Atratividade da Carreira Docente no Brasil confirmam esse panorama. Na sondagem da FVC/FCC, apenas 31 dos 1.501 estudantes pesquisados desejam ser professor. Alguns achados saltam aos olhos. Dos 31 alunos que querem ser professor, 27 (87% do total) são de escola pública. E a grande maioria, 24 (77%), é mulher.

Em relação à escolarização, a tendência é que, quanto maior o nível de instrução dos pais, menor a intenção de ser professor. Entre os que se declaram candidatos à docência, cerca de metade tem pai que chegou a cursar além do Ensino Fundamental. Entre os que não pretendem ser professor, esse percentual sobe para 68%. Os pais com Ensino Superior também são mais numerosos entre os que não querem atuar em sala de aula: 31%, contra 16% dos que escolheram a docência como profissão.

As estatísticas oficiais apontam na mesma direção. De acordo com dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de Pedagogia, cerca de 80% cursaram o Ensino Médio em escola pública (68% só estudaram nesse tipo de instituição) e 92% são mulheres. Em termos socioeconômicos, 39% vêm de famílias com até três salários mínimos de renda mensal (a maioria, 50%, situa-se na faixa entre três e dez salários) e três em cada quatro trabalham (saiba mais no quadro da página seguinte).
Fatores externos ajustam a escolha profissional à realidade 

Dois fatores foram elencados pelos jovens como os mais atraentes para a escolha da carreira: a possibilidade de trabalhar com crianças e ensinar e transmitir conhecimentos (como se vê no depoimento na página seguinte). De fato, outros estudos confirmam que o professor se ampara em valores altruístas e se vê como um agente de transformação social, reforçando a ligação entre a docência e o prazer de trabalhar com a aprendizagem. 

Mas a opção de se tornar professor também sofre forte influência de fatores externos, que acabam ajustando a escolha profissional à realidade. Conscientes das dificuldades que enfrentarão para passar num curso superior, adolescentes de baixa renda escolhem carreiras mais próximas de suas possibilidades, levando em conta o baixo custo da mensalidade, a facilidade de ser admitido e a rápida obtenção de um emprego. 

A soma desses fatores tem levado à docência um grupo com fraca bagagem cultural. Ainda segundo o Enade, 45% dos futuros professores declaram conhecimento praticamente nulo em Inglês. Quando o recorte foca apenas os ingressantes nas graduações de Pedagogia (no caso, por meio dos dados do Exame Nacional do Ensino Médio de 2008), o panorama geral revela alunos com dificuldades de escrita e compreensão de texto nas questões de Língua Portuguesa.
Um perfil preocupante
Além das dificuldades econômicas, alunos dos cursos de Pedagogia e Licenciaturas chegam à universidade com poucas referências culturais
Os futuros professores do Brasil*
* Entre os alunos do último ano de Pedagogia e Licenciaturas. Fonte: Questionários socioeconômicos do Enade de 2005. Foto Dercílio. Ilustração Daniella Domingues
* Entre os alunos do último ano de Pedagogia e Licenciaturas.  Fonte: Questionários socioeconômicos do Enade de 2005.  Foto Dercílio. Ilustração Daniella DominguesNotas de corte de Pedagogia estão entre as mais baixas 

Isso se materializa nas notas de corte dos vestibulares. No maior do país, o da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), dos 13 cursos com menor nota de corte em 2010, quatro são Licenciaturas, e duas, disciplinas da Educação Básica. Pedagogia não fica nada distante: para o curso oferecido no campus de São Paulo, a nota mínima exigida para a segunda fase foi apenas 1 ponto acima das carreiras mais fáceis. 

"Em resumo, os futuros professores são estudantes que, principalmente pelas restrições financeiras, tiveram poucos recursos para investir em ações que lhes permitissem acesso a leitura, cinema, teatro, eventos, exposições e viagens", afirma o relatório final da pesquisa FVC/FCC. Entretanto, em vez de culpar os futuros docentes por suas deficiências, o caminho é potencializar as características produtivas desses jovens - a luta pela ascensão social por meio da profissão - e auxiliá-los a superar suas limitações. "Eles querem demais aprender e têm respeito pela profissão de professor", diz Alda Judith Alves Mazzotti, especialista em Psicologia Educacional e professora da Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro. Garantir uma formação inicial e continuada que cubra as lacunas de repertório dos candidatos à sala de aula é um dos caminhos para reverter o ciclo vicioso que produz poucos (e maus) professores.
Foto: Sérgio Vignes
Foto: Sérgio Vignes
Aprender com os alunos
"Escolhi Pedagogia porque sempre gostei de ir à escola. Hoje, o que mais me motiva é a possibilidade de troca com as crianças. Aprendo muito com os pequenos. É claro que não dá para negar que a profissão está desvalorizada. Os salários são baixos, e as condições de trabalho, ruins, mas o mais problemático é que a Pedagogia é tida como um curso menor mesmo nas melhores universidades. Acredito que existam estudantes que se graduam apenas para ter um diploma de formação superior sem pensar em ser professores."
FLORA BAZZO SCHMIDT, 22 anos, aluna de Pedagogia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis